
De um lado
estava “Barbabás”, ex-sindicalista, católico não praticante, conhecido também
como “alminha”, apelido adquirido desde a visita ao bispo da região e de um
pedido de bênçãos que o levava a acreditar ser a alma mais honesta do mundo. Do
outro, “Messias”, protestante raiz, ex-combatente, mas que jamais teria ido à
guerra se dizia à boca pequena nas redondezas. O único fato verdadeiro era
que nos tempos de quartel tinha sido expulso juntamente com Barbabás por conta
da quartelada que ambos se envolveram. Amigos de farda e da prefeita de Nova
Renascença, alcunha “Pedalinho”, porque possuía uma bicicleta de nome “Querida”
com a qual fazia visitas aos seus eleitores. Pois bem, os dois se apresentavam
para os (as) vilarinhos (as) como inimigos ferrenhos na política, provocando uma
divisão de águas no eleitorado local.
Como em todo
lugarejo existe um espaço para “debates políticos” e comentário dos “fuxicos do
dia”, por lá não era diferente, havia uma árvore frondosa chamada de “Sinédrio”. De grande sombreamento, era o local que abrigava às mais calorosas prosas do cotidiano.
Frequentador assíduo, “Ponto Pilatos”, cognome adquirido por sua capacidade de
apartar brigas e pela participação frequente nas conversas diárias, foi incumbido de resolver à zanga entre “Barbabás” e “Messias”. A discórdia que
envolvia os dois gravitava na “paternidade da canalização da água do Rio São
Francisco para o vilarejo”. Sempre precavido Ponto Pilatos tinha à mão uma
vara de quixaba, caso a situação fugisse do controle, dizia ele: “levo o
castigo e o remédio juntos”. Então, no dia e hora marcados se pôs a ouvir “os
padroeiros das águas do lugarejo”.
Barbabás
alegou a ordem alfabética para primeiro falar, tinha o B no nome, vinha antes
do M de Messias, então, disse em um tom provocativo: “Como sou o primeiro tanto
na letra como no nome, começo, e não vou descascar laranjas enquanto falo. Fui
eu que havia dito que cedo ou tarde traria água. Também sou amigo da prefeita pedalinho e tive a iniciativa de
conversar e explicar toda a situação hídrica daqui. Se a época foram feitos dez
orçamentos para a canalização, o objetivo era baratear à obra para sobrar
dinheiro para investir nas ‘olimpíadas escolares’ e na ‘copinha de futebol’,
que infelizmente gerou grandes gastos e atraso. Porém, agora é chegado o
momento de mudar o curso do Rio São Francisco e trazer a tão sonhada água".
Messias,
tomando a palavra em seguida, sacou sua “arminha”, sim, todo protestante que se
preze anda sempre acompanhado de uma Bíblia de Bolso, dizia. E, sem pestanejar,
e nem consultar o livro sagrado, rasgou uma indireta: “Nem toda barba nos torna
Moisés, e nem todas águas são do Mar Vermelho”. Ponto Pilatos sentido que o
clima iria esquentar e a sarça das intrigas poderia pegar fogo e incendiar o
sinédrio, ergueu à vara de quixaba e gritou: “Calma! Mantenham o juiz no
lugar!”. Na realidade queria dizer o juízo.
Também sou
amigo da prefeita, continuou Messias, participei das olimpíadas e da copinha.
Tenho um filho que é vereador, apesar das más línguas da oposição falarem que
possui um laranjal irregular. É dele com minha participação a autoria do
projeto para trazer água para cá, somos da ala que apóia à prefeita pedalinho.
Como todos sabem o mandato do vereador “Dudinha”, nome carinhoso que chamo
Eduardo é a prova de bala em honestidade, concluiu Messias.
Após a fala
das duas autarquias do povoado, uma voz clama no deserto da vila e do meio do
povo que ali se ajuntavam, era “João Luz”, que vinha com seu candeeiro aceso em
plena luz do dia a profetizar: “A prefeita vai sofrer ‘impitima’ (impeachment)
meu povo! Barbabás amiguinho da ‘impitimada’ ganhou uma secretaria com as
bênçãos de Dudinha, filho do Messias, dono do laranjal irregular no Sítio
Atibaíba. Barbabás, Pedalinho,
Messias e Dudinha fazem reuniões suspeitas por lá. Corados, Barbabás alisa a
barba, enquanto que Messias guarda à Bíblia.
Injuriado,
por ser uma pessoa honesta, Ponto Pilatos observa à carinha de Barbabás e
Messias, falando que numa situação daquela jamais lavaria às mãos, porque trazia
uma vara de quixaba em uma delas e por lá não havia caso de covid-19 para
higienizá-las. Olhando para cima, quase que fazendo uma prece aos céus para se
acalmar, viu uma colmeia em um galho do sinédrio acima das cabeças dos agora
“padrastos das águas”.
Calmamente,
pede a ambos que se aproximem para o veredito sobre o caso. Juntos, Barbabás e
Messias quase de mãos dadas, esperam ansiosos a fala do nobre julgador do litígio.
Lembrando-se de Moisés bíblico ao levantar o cajado em frente ao Mar Vermelho,
Ponto Pilatos com sua vara de quixabeira “mágica”, de um golpe certeira faz
cair na cabeça dos inquiridos tão doce colmeia, provocando nos dois fariseus
políticos uma purgação dos pecados e uma debandada que a poeira cobriu. Aos
gritos de “abelhas livres”, contudo, estavam soltas, as duas almas purificadas
pelos ferrões que vinham do céu, correm como uns condenados a ficar juntos,
igual a um consórcio nupcial no nordeste, neste caso, quase literalmente,
porque Barbabás e Messias não largavam às mãos untadas de mel.
Segundo um fuxico que
se propaga pelo sertão até nossos dias. Ponto Pilatos, não lavou as mãos, mas
desceu à vara literalmente depois que seus olhos abriram pela luminosidade do
candeeiro e das palavras de João da Luz, unindo duas almas adversárias da
política local com a graça que veio do céu, mantendo assim a fama de conciliador do
vilarejo que até hoje espera os canos, torneiras, e claro, a conta de água que
virá juntamente com a canalização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Não me tires o que não me podes dar!... Deixa-me ao meu sol."
- Diógenes de Sinope